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Lavoura arcaica, o filme


vb. criado em 17/05/2015, 15h18m.

(Lavoura arcaica, diretor Luiz Fernando Carvalho, 2001.)

'Lavoura arcaica', filme dirigido por Luiz Fernando Carvalho em 2001, tem fotografia primorosa, produção caprichada, um elenco talentoso. Raul Cortez cria um pai-sacerdote enorme e temível na sua aparente cordura; Simone Spoladore dá consistência à Ana inocente, à Ana sensual, à Ana devastada e à Ana diabólica, tudo sem dizer uma só palavra; Leonardo Medeiros convence como um irmão mais velho oscilando entre a severidade e o ciúme; mas o grande destaque é Juliana Carneiro da Cunha, que constrói com economia de gestos uma mãe comovente.

Cenário, figurino, luz, fotografia e filtros são usados coerentemente, para criar um ambiente sem localização ou datação específicas, que remete genericamente a um passado bucólico-idílico, tribal, milenar. Isso combina com a proposta do roteiro, que não é tanto a de contar certos fatos, e mais a de insinuar um drama ancestral, com raízes fundas no inconsciente coletivo. O filme é sobre tabu, loucura, entusiasmo, no sentido grego da palavra [1], e o velhíssimo e sempre atual ciclo da tragédia e da Queda do Homem: a passagem do estado paradisíaco para o terror e o desespero, pelos conhecidos passos da desmedida, da hybris, do reconhecimento e do acontecimento patético. Esses elementos tradicionais da fórmula trágica de Aristóteles aparecem nessa lavoura de Raduan Nassar e Luiz Fernando Carvalho, porque, como diz o título, ela é arcaica, como os temas de que trata a obra.

O estado paradisíaco é muito bem representado no filme, mediante o uso de filtros fotográficos embaçados e cores suaves, cenários idílicos, maquiagem, figurino e penteados que conseguem rejuvenescer os atores de modo convincente: no começo, André e Ana são a imagem da pureza adolescente num Éden de sonho. A desmedida deles é prenunciada desde o início, mas inevitável, como pede o esquema trágico: não é escolha, mas destino; André fica preso a Ana como a pomba na armadilha que, metaforicamente, ilustra a cena do incesto. Já na infância o menino André estava atrelado à menina Ana num trilha conduzindo ao céu e ao inferno. Por isso é que estão lado a lado na mesa familiar, e ao lado deles o terceiro rebento amaldiçoado no ramo esquerdo da tribo, o ramo da mãe: André, Ana e o irmão menor estão ligados e condenados por amor excessivo, desmedido, tabu. A hybris [2] se manifesta em Ana, ao dançar de forma provocante para o irmão que sabe estar oculto a observá-la; e pior, dançar provocante com o irmão-rival que representa a sombra de André, o seu oposto, o seu negativo



hgsdjhags djhasgdjhsgd kjahsgdkjahsgd

bela fotografia lírica, composição caprichada, produção cuidadosa

qualquer lugar qualquer religião (a religião do pai, realmente, o patriarcado)

o patriarcado, o ramo direito, à direita do pai; o matriarcado de amor e intimidade, ramo esquerdo e errado, a linha da mãe

9 na mesa de 10 lugares

O que significa tirar os sapatos e enfiar os pés na terra, sob as folhas? O lado esquerdo da mesa, o ramo do matriarcado, é ligado à terra? Devia ser água. E o lado direito seria do que, do fogo? Não parece, são apegados às coisas da terra também (conforto, segurança, comida), menos a sensualidade.

o diálogo final com o pai é feito de dois monólogos cruzados, um não fala a língua do outro, o pai é apolo e prosa, o filho dionísio e poesia, cada um fala de coisas que para o outro são incomprensíveis, como pode o louco de amor entender o discurso e a proposta da disciplina, do rigor, da produtividade, do anular-se e viver para a comunidade assexuada? Como pode o pai-sacerdote da religião tribal entender o que vai na cabeça do apaixonado?

a religião deles, tribal, em torno da mesa que é altar e totem, é uma religião de tribo, de unir-se e viver para o grupo, a grei, o clã, a fim de sobreviver contra os outros. Não se fala de um Deus específico, porque o deus deles é o clá, a grei, o tronco ancestral, representado por aquele avô que não vê, e que não vemos, e é insinuado ali como um deus escondido que assombra a casa.

André, homem, qualquer homem.

Pedro, pedra, apóstolo que vai herdar as chaves.

Ana, palindrômica,

casa velha, casa nova, capela, pensão

a linguagem é anacrônica, inusual, desusada, antiquada, uma linguagem que ninguém fala no dia a dia, linguagem de livro, e livro antigo, mais poética que narrativa, um cuidado e um capricho na sonoridade das frases, quase musicais, um discurso escrito para quem ama as palavras e não tem pressa de terminar nem está preocupado só com o enredo; o filme, que abusa das citações de trechos do livro, mantém o tom: é figurativo, o uso da linguagem, a escolha do tom e do acento postiço, grandiloquente, palavroso, é para enfatizar que o enredo representado é só pretexto, só a fachada da casa ou a boca de uma caverna ancestral, e o que se passa realmente ali é uma tragédia mais profunda, muito antiga e inconsciente, que tem relação com a hybris, a possessão divina entusiasmática, a ebriez, a loucura amorosa e o destino inflexível que deságua em sangue.


Notas e adendos:

fn1.
"Inspiração ou possessão por uma entidade divina ou pela presença de Deus" (wkp), ou de um deus, para os gregos. Notadamente de Dioniso.

fn2.
Hybris é o orgulho cego, que leva o herói a ultrapassar o métron, a medida, ou seja, a fazer o que o homem "normal" não faz. Essa desmedida o faz cair em desgraça e merecer o castigo (dos deuses, do destino, da sociedade, etc., conforme o pano de fundo da narrativa). Esse é o desenho padrão da tragédia, como descrita por Aristóteles na 'Arte Poética'. O fim da história inclui normalmente o acontecimento patético, isto é, o fato que provoca no espectador a comoção ou compaixão pelo herói caído. Esse acontecimento patético idealmente envolve, ou é precedido por, um reconhecimento, isto é, uma tardia percepção, pelo herói, de qual foi o seu "erro".o inflexível que deságua em sangue.



Apolo: Bela Aparência; Sonho; Forma (limite); Princípio de individuação; Resplandecente; Ordem; Serenidade; etc.

Dioniso: Música; Embriaguez; Uno Primordial (não há forma, sem limite); Indiferenciação; Essência; Desmedida; Domínio Subterrâneo; etc.

um contraste no livro ‘O nascimento da tragédia”, entre o espírito da ordem, da racionalidade e da harmonia intelectual, representado por Apolo, e o espírito da vontade de viver espontânea e extasiada, representado por Dioniso.
ENCYCLOPAEDIA V. 51-0 (11/04/2016, 10h24m.), com 2567 verbetes e 2173 imagens.
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